Nos últimos encontros do sarau macaense “Língua do P”, por conta da proximidade do aniversário de 203 anos da cidade, aconteceram diversas discussões sobre o papel das relações estabelecidas com a cidade na vida de seus moradores e na obra dos poetas contemporâneos. Partindo daí, houve uma proposta coletiva de produzir poesias que tivessem a cidade, e as múltiplas e heterogêneas relações que cada um tem com ela, como matéria de trabalho.
Na última terça (26) ocorreu o encontro. Como alguém relativamente “novo”, foi muito interessante poder ouvir relatos daqueles que ali estavam, isso porque foi possível perceber que, as relações produzidas por alguns daqueles que falavam, não passavam apenas por uma habitação ou uso da cidade (no sentido mais literal do termo) mas, de fato, por um esforço constante e ininterrupto por fazer com que os modos de existência nela, sejam mais alegres e pulsantes.
Gerson Dudus e Sandra Wyatt compartilharam inúmeras histórias sobre a produção artística da cidade. O “Varal de Poesias” foi um exemplo. Na década de 80, os artistas da cidade se juntavam para expor suas poesias em um varal que era alocado na praia dos Cavaleiros. Ali, todos que passavam podiam entrar em contato com as produções que versavam sobre as mais variadas temáticas, dentre elas, crítica e discussão sobre os acontecimentos da época. Seu papel social era de dar suporte e servir como vitrine para a expressão de todo o tipo de pensamento. O que tornou o Varal alvo de ataques constantes que inviabilizavam o seu funcionamento. Em uma época onde as redes sociais eram uma promessa distante, havia a necessidade de um engajamento mais pungente para fazer uma iniciativa como esta funcionar, por outro lado, a mesma necessidade se colocava até para os movimentos que visavam seu desmantelamento, afinal, arrancar estacas de madeira fincadas na terra no meio da noite, demandava um trabalho muito maior do que escrever comentários no Facebook.

Uma das páginas do varal.
Uma das questões mais importantes foi perceber que produções como essas se ligam estreitamente com a luta social, e mais especificamente em Macaé, com a luta ambiental. O relato sobre como um pequeno grupo de artistas-ambientalistas juntamente com professores e alunos do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé (NUPEM/UFRJ) conseguiram vetar a aprovação do porto que seria instalado recentemente na área do bairro do Barreto, foi quase literário. Foi por uma insistência de alguns poucos, provavelmente não conhecida por muitos além daqueles que participaram do processo e dos que agora leem esse texto, que um grande empreendimento, portador de claras e previsíveis consequências nocivas ao meio ambiente onde se instalaria, foi barrado (no mesmo momento também foi informado que a licença prévia para o início das atividades de um novo porto já foi liberada sem sequer uma audiência).

“Imbetiba” de Sandra Wyatt .Do livro de poetas macaenses “Quem Canta Macaé”.
Não é de hoje que sabemos o quanto Macaé — possuidora de uma variedade de territórios, geografias e ecossistemas: serra, mar, lagoa, floresta, restinga, mangue, dentre outros; variedade essa muitas vezes despercebida pelo os que aqui habitam — luta contra a ocupação de uma lógica de trabalho e exploração que não inclui de maneira consistente, em seu processo de desenvolvimento, o cuidado com a cidade onde se coloca. Não simplesmente uma cidade enquanto espaço físico, soma de habitantes ou estatuto legal, mas uma cidade pensada enquanto espaço intensivo, enquanto espaço que é palco do investimento do desejo de seu moradores, desejo esse direcionado aos mais diferentes meios: trabalho, lazer, alimentação, moradia, cuidado etc. Saber que há pessoas engajadas na melhoria da construção desse espaço é fundamental para criar relações que potencializem as nossas próprias vidas e daqueles com os quais convivemos.
Assim, compartilho aqui a poesia que fiz para a ocasião, mas que não se limita a ela, diz repeito a qualquer movimento que busca autonomia e, como dito anteriormente, alegria.
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M.A.C.A.É
vejo
muito olhos
juntos
fazendo de tudo
para ver
o que empurram
morro acima
das goelas
das ruas macaenses
e porque estão juntos
do que os engasga
não conseguem ver
o que desafoga
o trânsito
o motor do carro
o fluxo
ininterrupto
de cortes
ocasionados
por estragos
ainda não repensados
por quem
não entende disso aqui
esses olhos
que essa terra há de tentar fuder
ainda tem olhos
para outras coisas tantas
que fazem cair
outro tipo de lágrima
sentida por quem
pega na mão
das coisas que produz
dos nomes que conhece
das festas
feitas
para festejar
das praias
inundadas
pelo mar
da mudança
efetuada
por coragem
dos beijos
dados
por vontade
essa cidade
um hotel
chega de camareiras
um local pertence
a quem arruma a própria cama
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Por fim, deixo também a música “Feliz Cidade” do cantor e compositor Chico Brant (a qual conheci durante o sarau), que também fala, agora em outro tipo de poética, sobre a cidade.